Pele do maior peixe da região era descartada ou usada apenas de forma artesanal. Empresa quer garantir renda aos pescadores

O pirarucu é a origem de uma nova cadeia produtiva na indústria da moda. Assim como a de outras espécies abundantes nos rios amazônicos, como acará-açu, corvina e pescada-amarela, a pele do maior peixe da Amazônia vai virar couro para a confecção de bolsas, sapatos, bijuterias e acessórios, além de servir como revestimento para móveis de alto padrão. 

O projeto da startup Yara Couro da Amazônia recebeu R$ 2 milhões do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio) para instalar a primeira fábrica-piloto em Santana, no Amapá, à beira do Rio Amazonas.

A ideia é do empreendedor Frank Portela, que já beneficia couro de boi, e de sua sócia, a publicitária Bruna Freitas, que atuou no ramo de moda em Portugal. CEO da empresa, Bruna afirma que o uso de couro de peixe não é novo, mas os produtos são feitos de forma artesanal na região.

A pele do maior peixe da Amazônia pode virar couro para a confecção de bolsas, sapatos, bijuterias e acessórios — Foto: Yara Couro

A empresa fará parcerias com pescadores e piscicultores, fornecedores de tilápia, para ganhar escala em quantidade suficiente para fornecer o couro dos peixes amazônicos e chegar a marcas de produtos de alcance nacional no Sul, Sudeste e Nordeste.

— Enxergamos um potencial grande para a pele de peixe e decidimos trabalhar de forma criativa e sustentável para mostrar a identidade da Amazônia para o mundo — conta Bruna, que nasceu no Amapá e desejava há algum tempo investir em um projeto socioambiental no estado.

Perto da comunidade

Com o curtume perto da comunidade pesqueira de Santana, a startup pretende treinar pescadores para que a pele seja preservada ao máximo e retirada com a espessura certa para a transformação em couro. O ideal, diz Bruna, é que a pele não apresente rasgos, perfurações ou avarias. Para ser entregue ao curtume, a pele é salgada ou resfriada.

No processo de curtição, no lugar de sais de cromo, que são poluentes, deverão ser usados taninos vegetais manipulados com plantas da região. Para a coloração, o negócio busca soluções na floresta, como uso de corantes à base de açaí e urucum.

Segundo Bruna, o projeto foi feito com apoio da Escola de Pesca do Amapá e de instituições como Senai e Sesi:

— Cada peixe de escamas forma um desenho diferente. É como uma digital, uma identidade de cada um deles. Com o beneficiamento, é possível dar mais ou menos maleabilidade e maciez, dependendo do tipo de peça que será produzida.

Segundo Carlos Koury, do Instituto de Desenvolvimento da Amazônia (Idesam), que repassa os recursos do PPBio, um dos diferenciais do projeto da Yara Couros é o pagamento pelas peles, hoje tratadas apenas como lixo. Segundo ele, mesmo quando são usadas por terceiros, as peles não têm se revertido em benefício financeiro para os pescadores.

O problema, diz Koury, é que o recolhimento dos resíduos do pescado tem sido feito apenas pelo caráter de solução ambiental, sem geração de renda. Os resíduos correspondem a cerca de 60% do que é pescado e costumam ser jogados na água, enterrados ou descartados em lixo comum, gerando mau cheiro e problemas sanitários nas áreas afetadas:

— Toda vez que um resíduo gera valor, ele se torna um ativo e deve ser remunerado. Muitos querem apenas pegar o resíduo, sem pagar por ele.

A fábrica-modelo da startup deve gerar 200 empregos diretos quando estiver em plena operação.


Fonte: O GLOBO