À frente na maioria das pesquisas, Edmundo González Urrutia diz que é possível derrotar o chavismo e pede a Lula que esteja atento ao processo eleitoral

Porto Velho, Rondônia - Aos 74 anos, o diplomata venezuelano Edmundo González Urrutia se tornou, de forma totalmente inesperada, o principal rival de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de 28 de julho. Depois de um processo conturbado de registro de candidaturas — que incluiu o bloqueio de nomes da oposição, fato questionado pelo Brasil —, Urrutia foi inscrito e aceito por unanimidade pelos principais partidos opositores que, unidos, pretendem derrotar o chavismo nas urnas após 25 anos de poder.

"Sabemos que não é uma batalha simples, mas no jogo democrático alguns ganham a outros perdem”, disse o candidato ao GLOBO. Urrutia confirmou contatos com o governo brasileiro e enviou um recado ao presidente Lula: "O peso e a liderança do presidente Lula são muito importantes, qualquer mensagem dele será bem recebida pelos democratas venezuelanos".

O senhor alguma vez imaginou ser candidato à Presidência da Venezuela?

Foi um fato que surpreendeu a mim e minha família, foi inesperado, não buscado.

Um desafio enorme…

Assumi esta situação como uma contribuição à causa democrática.

Como foi o momento em que comunicou à sua família que seria candidato?

Todos estavam acompanhando de perto o processo, eu fui informando a todos sobre tudo o que acontecia. Um dia recebi uma ligação de um amigo que me informou que a Plataforma [Unitária] tinha decidido, por unanimidade, me escolher como candidato.

O senhor não é um dirigente conhecido e uma parte importante da campanha é dizer ao país quem é Edmundo González Urrutia, sobretudo através das redes sociais como Instagram e TikTok…

É verdade. Mas dois dias depois da confirmação de minha candidatura as pesquisas que tínhamos já me davam 50% de intenções de votos, um recorde impressionante. Todos ficaram sabendo rapidamente quem era Edmundo González. 

Nas últimas pesquisas que temos tenho mais de 60% de apoio, um percentual que nos dá muita esperança. Nos últimos dias me reuni com diferentes setores da sociedade venezuelana, organizações políticas, partidos, movimentos. Este fim de semana me reuni com familiares de presos políticos, uma reunião com mais de 40 pessoas. E assim vamos, avançando. Todos os dias recebemos novos apoios.

O senhor não é uma liderança política e a campanha, nas ruas, continua sendo protagonizada por María Corina Machado. Quanto desses mais de 60% de apoio que mostram algumas pesquisas estão relacionados à líder opositora e não ao senhor?

Esse apoio é uma combinação de várias coisas, entre elas o desejo de mudança dos venezuelanos, que é impressionante. Uma última pesquisa da Datincorp revela que 62% dos venezuelanos votariam por mim, e apenas 20% por Maduro. Numa consulta que inclui todos os candidatos, tenho 50% e Maduro 18%. Para alguém que, de fato, não era uma figura política conhecida, é impressionante.

A opositora María Corina Machado e o candidato Edmundo Gonzalez em encontro em Caracas, na Venezuela — Foto: Jose ALTUVEZ / Vente Venezuela / AFP

Houve um acordo para que María Corina continue liderando a campanha nas ruas?

Ela está em campanha há um bom tempo, percorrendo o país. Eu terei uma atividade pública no interior no próximo sábado. Não foi um pacto, mas, sim, ela continua nas ruas com um ritmo vertiginoso. Temos apenas três meses de campanha e esse tempo deve ser utilizado da melhor maneira possível.

Todos os dirigentes políticos estão participando da campanha, e esperamos percorrer todo o país, entre todos. Esta é uma campanha coletiva. Existem restrições, María Corina não pode pegar aviões de companhias aéreas comerciais, porque essa companhias estão sob ameaças, e as mesmas restrições sofrem outros dirigentes políticos. É uma campanha difícil.

Como foi convencido o governador do estado Zulia, Manuel Rosales, de desistir de sua candidatura presidencial?

Não participei dessas conversas, e não sei como isso aconteceu. Mas ele disse que preferia se retirar [da corrida presidencial] e unir-se à campanha. Ele foi quem propôs meu nome e que ele fosse escolhido por unanimidade. Um gesto de desapego que eu agradeço, disse isso a ele pessoalmente numa reunião que tivemos há dois dias, em minha casa.

É possível derrotar o chavismo nas urnas?

Tudo parece indicar que assim será. As pessoas estão motivadas, o que ouvimos nas ruas, os comentários, o que sai nos meios de comunicação indicam isso. Este governo está há 25 anos no poder e o desgaste é muito grande.

O senhor imagina o chavismo entregando o poder?

Não será fácil mas o resultado das urnas deverá prevalecer. Sabemos que não é uma batalha simples, mas no jogo democrático alguns ganham a outros perdem.

Maduro discursa em ato a favor do governo, no Dia do Trabalho — Foto: FEDERICO PARRA/AFP

Existem temores de que Maduro possa até mesmo suspender a eleição por temor a ser derrotado. Esse cenário é analisado pela oposição?

Deles [o chavismo] podemos esperar qualquer coisa, sobretudo se sabem que as pesquisas não os favorecem. Esse cenário existe e deve ser considerado e analisado, entre outros possíveis.

Qual é a importância do papel de países como Brasil, Colômbia e Estados Unidos neste processo eleitoral?

É muito importante. O papel de líderes da região, como o presidente do Brasil, que enviou mensagens importantes e está ciente dos riscos que existem, é fundamental. Suas mensagens sobre o processo eleitoral foram muito bem recebidas na Venezuela. Quando Lula parabenizou a oposição pela escolha de um candidato e defendeu que sejam cumpridas as condições de qualquer sociedade democrática foi muito importante.

O senhor disse que teve contato com representantes destes três países. Poderia contar com quem manteve contatos no Brasil?

Foram contatos através de representantes diplomáticos em Caracas.

O senhor teve contato com embaixadores, entre eles a embaixadora do Brasil, Glivânia Maria de Oliveira?

Nos conhecemos em eventos diplomáticos em Caracas. Também tive contatos com a missão técnica da União Europeia. A presença da comunidade internacional na Venezuela é muito importante nesta eleição.

Que mensagem enviaria ao presidente Lula?

Pediria que esteja atento ao que acontece na Venezuela, e que qualquer declaração dele sobre a importância de que tenhamos eleições transparentes e democráticas serão muito bem recebidas. O papel do Brasil é chave na eleição da Venezuela, como também são muitos países latino-americanos. Lembre de uma frase que disse certa vez o ex-secretário de Estado Henry Kissinger: para onde o Brasil se inclinar, se inclinará a maioria dos países latino-americanos. O peso e a liderança do presidente Lula são muito importantes, qualquer mensagem dele será bem recebida pelos democratas venezuelanos.


Fonte: O GLOBO