Em artigo, presidente do Instituto Locomotiva avalia que ex-presidente e candidato do PRTB em SP compartilham estética e retórica com apelo para eleitorado conservador

O empresário e pré-candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal e o ex-presidente Jair Bolsonaro — Foto: Reprodução/Redes Sociais

Porto Velho, Rondônia - 
Faltando pouco mais de um mês para as eleições da maior cidade da américa latina, estamos vendo um fenômeno interessante e um tanto paradoxal: o crescimento de Pablo Marçal entre eleitores que, até bem pouco tempo atrás, seguiam Jair Bolsonaro quase que religiosamente. É curioso notar como, mesmo com Bolsonaro indicando apoio ao prefeito Ricardo Nunes (inclusive, indicando seu candidato a vice), uma parte significativa do eleitorado bolsonarista está migrando para Marçal.

Nunca é tarde lembrar que, até então, o poder de transferência de votos do Bolsonaro foi responsável pela eleição de governadores e senadores que, até pouco tempo atrás, eram completamente desconhecidos. Mas por que será que esse poder de transferência de votos não está com a mesma força do passado? Trago algumas hipóteses para isso.

Estética compartilhada

Primeiro, é importante entender que tanto Bolsonaro quanto Marçal compartilham uma estética e uma retórica que ressoam profundamente com o eleitorado conservador e antissistema. Ambos utilizam uma linguagem direta, por vezes agressiva, e apelam para valores como a família, o empreendedorismo e a religião.

No entanto, Marçal leva isso um passo adiante, usando as redes sociais com maestria e adotando uma postura que mistura o coaching motivacional com o discurso político. Essa combinação cria uma identificação imediata com eleitores que se sentem abandonados pelo sistema tradicional. Já o candidato apoiado pelo ex-presidente, com medo de trazer para si a rejeição de Bolsonaro, evita ao máximo se apresentar da mesma forma.

A apropriação do discurso antissistema

Marçal se apresenta como a evolução do discurso antissistema que impulsionou Bolsonaro em 2018. Enquanto Bolsonaro construiu sua narrativa em torno da ideia de combater a corrupção e enfrentar "o sistema", Marçal pega esse mesmo espírito e o adapta para o contexto atual, onde o digital é rei e as mensagens precisam ser rápidas e impactantes. Ele se apropria de uma estética de outsider, mas com uma roupagem moderna e tecnológica, que conversa diretamente com uma parcela da população mais jovem.

Já Ricardo Nunes, apesar de ser o candidato oficial de Bolsonaro, enfrenta um desafio significativo. Como atual prefeito, ele representa exatamente o "sistema" que Marçal critica. Nunes tem uma base de alianças construídas na centro-direita tradicional, o que dificulta sua capacidade de adotar um discurso antissistema de forma convincente. Ele é, afinal, o status quo que Marçal promete transformar. Para muitos eleitores bolsonaristas, isso cria uma dissonância: como apoiar um candidato que representa aquilo que eles passaram os últimos anos combatendo?

Bolsonaro, que sempre se posicionou como um outsider, agora se vê em uma situação delicada. Apoiar Ricardo Nunes é visto por muitos de seus eleitores como uma concessão ao sistema que ele sempre criticou. E é aqui que Marçal encontra espaço para crescer. Ele se apresenta como a opção "pura", ainda conectada ao espírito de mudança e ruptura que cativou tantos eleitores em 2018.

Marçal usa a mesma estética, os mesmos símbolos, e fala a mesma língua, mas com a vantagem de não carregar o peso de já estar no poder. Marçal tem o bônus do bolsonarismo sem carregar pra si o “peso” do ex-presidente. Para os bolsonaristas que ainda querem ver o sistema ser abalado, Marçal parece ser a escolha mais lógica, mesmo que isso signifique contrariar a indicação do próprio Bolsonaro.

Marçal ainda não enfrentou a artilharia de seus adversários e a força da máquina pública e dos candidatos a vereador. Ainda é impossível medir o quanto as críticas da família Bolsonaro irão impactar Marçal. O que podemos afirmar, sem medo de errar, é que hoje quem sabe o que vai acontecer está muito mal-informado.

* Renato Meirelles é presidente do Instituto Locomotiva


Fonte: O GLOBO