Conexão do magnata com homens jovens brancos desafia vantagem da democrata no estrato; voto Gen Z e Millenial será crucial nos sete estados-pêndulos, aponta estudo

Delegadas jovens do Partido Democrata acompanham discurso na convenção, em Chicago — Foto: Alex Wroblewski/AFP

Porto Velho, Rondônia - Se há um mês o duelo entre Joe Biden, 81, e Donald Trump, 78, os dois presidentes mais velhos da História dos EUA, não aspirava tanto o engajamento dos jovens, a ascensão da vice Kamala Harris, de 59 anos, redefiniu a disputa. A quase 70 dias da eleição, especialistas afirmam que o peso deles neste pleito será tão ou mais decisivo do que foi em 2020, quando o comparecimento da geração Z às urnas bateu recorde. Embora pesquisas apontem uma vantagem de até 30 pontos percentuais para a candidata democrata no grupo, Trump e sua retórica inflamada têm atraído uma fatia estratégica: homens jovens, principalmente brancos.

De acordo com uma pesquisa de opinião do instituto Gallup, a preferência que por muito tempo foi vista como natural dos jovens pelos democratas, embora ainda seja predominante, atingiu o seu menor patamar histórico em 2023, com 47%. Por outro lado, de 2017 até o ano passado, o favoritismo dos republicanos subiu sete pontos percentuais entre eleitores de 18 a 29 anos impulsionado pelos homens — entre eles, a sigla tem hoje 48% de apoio, um crescimento de 13 pontos em oito anos, diz o estudo.

Para David Schultz, cientista político e um dos autores do livro “Política geracional nos Estados Unidos: dos silenciosos à Geração Z e além”, um dos motivos dessa tendência é a menor probabilidade que os jovens brancos do sexo masculino têm de entrar na universidade. Hoje, 60% das vagas no ensino superior dos EUA são ocupadas por mulheres, segundo a Education Data Initiative. Além dos efeitos econômicos, o cenário tem provocado um ressentimento que é capitalizado pela extrema direita americana — ala que se tornou especialmente relevante com o domínio de Trump sobre o Partido Republicano.

— À medida em que o país se torna mais diverso racialmente, esses indivíduos, por não terem formação universitária, ficam ressentidos pensando: “Eu sou branco, sou homem, não deveria estar no comando?” — analisa ao GLOBO, afirmando se tratar de um fenômeno global que ajuda na renovação de movimentos extremistas. — Para esses eleitores, que não estão bem economicamente, quando alguém diz: “Vocês não estão bem por causa dos imigrantes, dos chineses, das mulheres”, esse tipo de mensagem os atrai. A extrema direita do mundo todo joga com o nacionalismo racial.

Número de jovens em universidades americanas — Foto: Arte/O GLOBO

A diferença se traduz nas prioridades de cada um nestas eleições. De acordo com uma pesquisa do Wall Street Journal, enquanto a economia é a principal questão para eles, elas estão mais preocupadas com o direito ao aborto, revogado em 2022 a nível nacional pela Suprema Corte. Imigração aparece como o terceiro fator decisivo para ambos, mas os homens são muito mais favoráveis às duras políticas migratórias propostas por Trump do que as mulheres. Segundo o levantamento do WSJ, enquanto eles apoiam o destacamento de militares para as fronteiras, elas são contra a medida.

Principais questões para o eleitorado jovem americano (%) — Foto: Arte/O GLOBO

Embora os imigrantes — e, mais recentemente, as políticas de diversidade, equidade & inclusão (DEI) das empresas — sejam usados como bode expiatório para justificar a queda no número de homens jovens no mercado de trabalho, este é um problema antigo na economia americana.

De acordo com um estudo do Pew Research Center, 98% dos homens com diploma de nível médio estavam empregados nos anos 1970, contra menos de 50% das mulheres na mesma condição. Hoje, a empregabilidade deles é de 87%, uma queda de mais de 10 pontos percentuais, enquanto a presença delas subiu para 69%. Diversos fatores estão por trás do declínio, explica o centro de pesquisa, entre eles a falta de atratividade das vagas disponíveis para quem não é graduado, os altos níveis de encarceramento e a crise de opioides, que afetam particularmente os homens.

Participação dos jovens no mercado de trabalho americano entre 1973 e 2023 — Foto: Arte/O GLOBO

Peso nas eleições


A geração Z (1996-2010) representa 40 milhões de eleitores em potencial neste ano — quase um quinto do eleitorado, segundo o CIRCLE, centro de pesquisa da Universidade Tufts. Nesta eleição, será tão vital quanto em 2020, quando correspondeu, junto com os Millennials mais jovens (até 34 anos), a 24% dos votantes.

Para além da votação popular, o índice de relevância eleitoral do CIRCLE aponta que os jovens serão decisivos neste ano em todos os sete estados-pêndulos — sem preferência por um partido e, por isso, fundamentais para a vitória no Colégio Eleitoral. Na Geórgia, onde são 22% da população, cerca de três quartos dos eleitores registrados são jovens. Na Pensilvânia, que tem o maior número de delegados entre os estados-chave, os jovens tiveram um comparecimento acima da média nos últimos três pleitos, incluindo o sexto maior do país nas eleições de 2022.

Estratégias de campanha

Em uma corrida onde cada voto conta, ambas as campanhas têm buscado atrair do seu próprio jeito essa fatia do eleitorado. Do lado democrata, a tônica da convenção do partido, na semana passada, girou em torno da passagem de bastão de medalhões da sigla — de Biden aos casais Obama e Clinton — para Kamala.

— Agora, estamos escrevendo um novo capítulo na História dos Estados Unidos — disse Hillary Clinton, ex-candidata à Casa Branca, durante discurso. — O futuro está aqui.

Schultz considera que a vice-presidente “representa a nova geração de democratas”. Como precisa do comparecimento dos jovens para vencer, “grande parte da sua campanha é lançada de forma geracional”, explica. No formato, ela já adotou um emoji de côco para representá-la nas redes sociais e um perfil paralelo, o "kamala hq", para publicações mais descontraídas — um sucesso no TikTok. No conteúdo, ela toca em pontos sensíveis aos jovens.

— Observe os assuntos que Kamala está discutindo: direitos reprodutivos, casa própria e questões LGBTQ+. Eles são voltados para a geração mais jovem de eleitores — avalia Schultz, destacando o papel que redes como TikTok podem desempenhar na disputa: — Eu tenho uma regra: o candidato que consegue dominar a mais nova tecnologia de comunicação geralmente é bem-sucedido. Se pensarmos ao longo da História americana, Franklin Roosevelt foi o primeiro presidente da rádio de verdade, John F. Kennedy foi o presidente da televisão, Bill Clinton foi o primeiro a descobrir como usar a TV a cabo, Barack Obama foi o primeiro a perceber que se poderia usar o celular para alcançar as pessoas.

Movimentos do lado republicano

Trump também fez suas apostas. A começar pelo seu companheiro de chapa, J.D. Vance, senador de Ohio de 39 anos que era a alternativa mais jovem na sua lista. Novato na política, ele assumiu o cargo no ano passado e adota um discurso ainda mais radicalizado do que o do magnata.

Em junho, logo após se tornar o primeiro ex-ocupante da Casa Branca condenado criminalmente, Trump criou um perfil no TikTok, plataforma que tentou banir quando era presidente, conquistando 2,5 milhões de seguidores em apenas 24 horas. A forma como decidiu estrear na rede fala por si só: o magnata aparece em uma luta do Ultimate Fighting Championship (UFC) em Newark, Nova Jersey, acenando para apoiadores nas arquibancadas ao som de uma música estridente.

Antes, ele já havia lançado sua própria marca de tênis durante uma convenção frequentada por jovens apaixonados pelos calçados.

— Eu queria fazer isso há muito tempo — disse Trump no evento, antes de fazer um apelo para que os jovens votassem neste ano.


Fonte: O GLOBO